Começo este artigo com uma foto. Uma foto que marca um momento de enorme orgulho e ao mesmo tempo de enorme desilusão. O momento da chegada à meta após 58 km de prova e de perseverança.
Esta prova foi a maior desilusão da minha vida de corridas. E uma grande desilusão no mundo dos trails.
Mais uma vez, as organizações de trails fazem o que lhes apetece e dá na real gana, alteram regulamentos como bem entendem e o zé povinho que se lixe!
Muito haverá a dizer sobre esta prova e não vou dizer tudo hoje porque senão ainda expludo. Haverá como sempre uma crónica detalhada da nossa prova daqui e uns dias.
Quem me conhece sabe e quem lê este blogue também o sabe, quando as organizações estão bem, eu sou a primeira a elogiar. Sei elogiar desde os voluntários, aos abastecimentos, ao percurso, à segurança na prova. Eu desfaço-me em elogios quando uma prova o merece. E atenção, esta prova também merece os seus elogios e no relato completo que farei da prova também terá direito a alguns. Mas, se acontece algo grave, triste e que vai completamente contra aquilo que todos consideramos ser o trail então eu também tenho o direito a revoltar-me.
Três dias antes da prova o Vitor recebe um email a informar que existirá um barramento horário ao km 38, às 7h de prova. 3 dias! Algo que nunca constou do regulamento! Como é possível que se mudem regulamentos a torto e a direito? E ainda por cima, tão em cima da prova?
No dia anterior à prova novo email....afinal o barramento será ao km 39 e a prova afinal tem 57 km...(verificou-se mais tarde que seriam 58 km). Simpáticos, pelo menos estenderam o limite de prova para 10h.
Estas notícias deixaram-me logo em polvorosa.
Como muitos saberão, no ano passado esta prova não tinha qualquer tipo de limites, tendo inclusive várias pessoas chegado após as 10h de prova e até com mais de 11h de prova. E no ano passado eram só 50 km! Todas foram classificadas.
Este ano não só já estavam a impor um limite final, como meros dias antes da prova resolveram apimentar a coisa colocando um limite a meio.
Resumindo agora a coisa, nós chegámos cerca de 13 minutos após o limite intermédio das 7h de prova. 13 minutos! Manifestámos desde logo o nosso desejo em continuar e sabem o que nos responderam? "Se quiserem podem continuar mas será por vossa conta e risco."
Manifestámos o nosso desagrado por sermos desclassificados por um barramento horário inventado apenas dias antes e que NUNCA constou do regulamento, mas não nos ligaram nenhuma. Não sentimos qualquer compreensão ou solidariedade por parte da organização. E logo nesta prova com tanta fama! Mais! Estava lá o grande Jorge Serrazina (fazia parte da organização) um senhor pelo qual sempre nutri enorme admiração! É um enorme atleta, um dos melhores! Mas sabem qual foi a reacção dele perante as nossas reclamações? Permaneceu o tempo todo sentado de braços cruzados e pernas esticadas.
Não houve um único pedido de desculpas por sermos desclassificados por limites que não constavam do regulamento quando nos inscrevemos!
Não houve qualquer preocupação por seguirmos sozinhos. À noite!
Seguimos caminho muito desiludidos com esta situação. Como é natural isso afectou e muito a nossa prestação dali para a frente. Mas nunca desistimos. E quem me conhece sabe que dali para a frente eu só parava na meta. Nem que fossem 100 km mas podem crer que por uma questão de honra íamos terminar aquela treta!
Completamente estoirados chegámos ao local da meta 11h40m após termos começado. Percorremos os 58 km todinhos, porque foi para isso que nos inscrevemos.
Ainda pensámos que a organização teria um pingo de preocupação e sentido de responsabilidade para com os dois atletas que seguiram sozinhos após serem desclassificados por limites que NUNCA constaram do regulamento, mas não! Chegados ao final não havia absolutamente nada nem ninguém à nossa espera. 11h40m em movimento, toda a noite, e nem uma sopinha quente havia à nossa espera. Desprezo total.
E nesse momento a ponta de esperança que ainda tínhamos que esta organização fizesse o correcto foi-se. E esta organização desceu imenso na nossa consideração.
Nunca pensei ser assim tratada por uma organização. Ainda por cima de um trail! Onde supostamente há mais espírito de solidariedade, compreensão e companheirismo.
Nesta nunca mais ponho lá os pés.
Desta não preciso de lá voltar para me vingar pois conseguimos concluí-la. Não aparecemos classificados? Pouco me interessa.
Com a nossa atitude mostrámos que não estamos nisto para aparecermos classificados. Estamos nisto porque acreditamos em nós, porque adoramos o desafio, adoramos superar-nos. Adoramos as paisagens, os trilhos técnicos, as subidas difíceis, os abastecimentos e a simpatia das pessoas.
E nunca senti tanto orgulho em nós por completarmos uma prova. Ninguém estava lá para ver, não temos pratinho nem classificação para comprovar mas nós sabemos que o fizemos. Para nós, nós somos finishers, como tal não preciso de lá voltar para "vinganças".
Está feita. Estão feitos os 58 km do UTNLO.
Segue email que enviei para a organização e que até agora não obtive qualquer resposta.
«Bom dia,
O meu nome é Isadora Costa e fui participante do TNLO versão 55/57 km com o dorsal número 70. Fiz toda a prova juntamente com o meu namorado e companheiro de equipa, Vitor Gonçalves, dorsal número 69.
Infelizmente não fomos classificados por termos sido barrados aos 38/39 km mas já lá vamos.
Venho por este meio participar o meu enorme desagrado e grande tristeza pela forma como esta organização funcionou.
Quando me inscrevi nesta prova li o regulamento e não tinha qualquer informação quanto a limites horários intermédios com 7 horas de prova. Ora, enquanto atletas temos o direito a ter conhecimento das "regras do jogo" assim que nos inscrevemos.
3 dias antes da prova! 3 dias! o Vitor recebeu um email (que eu nunca recebi) informando de um limite de tempo às 7 h de prova e ao km 38. Na véspera novo mail (agora sim, também recebi) informando sobre o dito limite de tempo que afinal já era ao km 39.
Tenho que mostrar o meu mais profundo desagrado por isto. Como é possível que só se informem os participantes sobre um barramento horário na véspera da prova?
É inadmissível.
E sim, fomos barrados e desclassificados nesse controlo que só passou a existir 3 dias antes da prova começar.
Chegámos 13 minutos, apenas 13 minutos após o limite, mostrámos o nosso desejo de continuar, ao que nos responderam que poderíamos continuar mas por nossa conta e risco!
Mostrámos o nosso descontentamento relativamente a este barramento inexistente aquando da nossa inscrição mas as respostas dadas foram evasivas e não houve qualquer compreensão, humildade ou solidariedade, nada de espírito do trail tão falado e que julgo estar em vias de extinção devido ao boom que o trail está a levar.
Muito descontentes e tristes com a reacção por parte da organização decidimos continuar o nosso caminho, em frente, pois somos lutadores, persistentes e tudo o que queremos é viver estas experiências de aventura e alegria, pois isso sim é o trail. O trail deveria ser feito para todos os atletas, dos mais rápidos aos mais lentos e por todos deveria ser mostrado respeito. Aliás, o trail é precisamente isso, o desafio, a aventura, a amizade, o companheirismo, coisa que não vi por parte da vossa organização.
E assim continuámos o nosso caminho completamente sozinhos, decididos a terminar a prova mesmo sem ser classificados. Acho que merecemos respeito pela nossa decisão.
Continuámos e chegados ao abastecimento seguinte, por volta do km 48, tenho só a dizer coisas boas. Sim, porque sei criticar mas quando as coisas correm bem sei elogiar. E há que agradecer ao pessoal deste abastecimento que até já estava a arrumar as coisas mas que foram 5* conosco e tudo fizeram para nos ajudar e mostraram-se muito disponíveis. Os nossos mais sinceros agradecimentos às pessoas que se encontravam neste abastecimento.
Após este abastecimento continuámos o nosso caminho já o dia começava a clarear. E sim, vivemos todo o desafio, toda a aventura até ao local da meta. Trepámos por cordas já com mais de 50 km nas pernas, corremos junto a macieiras e pereiras, avistámos o castelo ao longe, até que já só faltavam 2 km (dizia a placa) mas para nós pareceu-nos mais que isso. Chegados a Óbidos já sabíamos que ainda havia que trepar pelo meio da vegetação, subir a escadaria e só depois o nosso momento. O momento em que após 11h40 minutos em movimento bem precisávamos de uma sopa quentinha, bem merecíamos o prato de finishers. Mas não. Passada a porta de entrada para as muralhas o vazio. Nada nem ninguém. Apenas sacos do lixo amontoados.
Apesar de nos terem dito que podíamos continuar mas que era por nossa conta e risco, ainda pensámos que a organização teria o mínimo de respeito e preocupação e que estaria alguém no final, no mínimo para confirmar que chegáramos são e salvos.
Nada. Desprezo total, nem uma ponta de preocupação, nem uma ponta de sentido de responsabilidade para com os dois atletas que decidiram continuar após o barramento inventado 3 dias antes da prova.
Já agora aproveitamos para dizer também que achámos a zona das arribas bastante perigosa. Já fizemos muitas provas de trail e no mínimo aquele local merecia ali alguém da organização ou bombeiros a supervisionar a descida das arribas.
A sinalização é outro factor negativo que temos a apontar, sinalização demasiado pequena e nos cruzamentos por vezes geravam-se dúvidas. Custava colocar fitas maiores nas zonas com mais cruzamentos ou arvoredo?
Estamos por tudo isto muito desiludidos.
Lutámos com todas as nossas forças até ao fim, quando o cansaço acumulado já era muito, nunca desistimos mesmo sabendo que não seríamos classificados. A poucos km's da meta já só pensávamos na sopa quentinha, pelo menos a sopa quentinha. Mas nada.
Resta-nos o enorme sentimento de orgulho por termos conseguido completar todo o percurso que afinal não eram os 55 anunciados, dias antes passou a ser 57 e no final verificou-se que era um pouco mais...
Estamos nisto pelo desafio e quanto a isso conseguimos superar-nos.
Não tencionamos regressar mais a esta prova.
Para nós está feita, para nós fomos finishers. Nós sabemos que conseguimos e isso basta-nos.
Mas não paguei para ser barrada por limites que nem constavam do regulamento.
Sentimo-nos injustiçados.
Não voltaremos depois da forma como fomos tratados por vós.
Um enorme desrespeito e uma grande falta de humildade e compreensão.
Cumprimentos,
Isadora Costa e Vitor Gonçalves»