Em vésperas daquela que seria a nossa prova com maior desnível falava com o João acerca das temperaturas previstas para o dia da prova e comentávamos como seria bastante irónico se a Serra da Lousã nos desse 2 a 0, uma vez em condições extremas de frio e outras com imenso calor...
E não é que a safada nos deu mesmo 2-0?!?
Tive um deja-vu enorme nesta prova, pois apesar de tão diferente dos Abutres e das condições meteorológicas terem sido opostas, a forma como acabou foi praticamente igual. Barrados por tempos-limites, só que neste caso fomos barrados por um tempo-limite inexistente....mas lá iremos.
Resta dizer que tenho um orgulho enorme em nós, que apesar de tudo avançámos, sempre em frente. E principalmente no Vitor que teve várias caimbras e nunca desistiu. És um campeão, o meu campeão.
Vamos então ao relato.
Tal como disse, nos dias anteriores comecei a panicar (tradução: entrar em pânico) quando vi as previsões para o dia 20 de Junho. 39ºC e céu limpo para a Lousã!!!! E queríamos nós fazer 45 km com um D+ de 3500m com tanto calor!!! Sabia que conseguiríamos fazer os 45 km apesar do desnível, podiamos era demorar mais um bocado, mas com 40ºC?
Enfim, tudo correria bem (dentro dos possíveis) com certeza. O importante, aliás como sempre, seria desfrutar da beleza natural da serra, das aldeias de xisto e da dureza em si.
E nestas provas longas sonho sempre com o banho pós-prova, a bela jantarada e o dia seguinte de passeio. Por isso, acontecesse o que acontecesse seria com certeza uma aventura brutal e um excelente fim-de-semana. E assim foi :)
A chegar à Lousã. |
Partimos na sexta ao final do dia, chegámos lá já de noite, fomos instalar-nos e de seguida levantar os dorsais. Qual a nossa surpresa quando verificamos que somos os dorsais nº2 e nº3! Com o nº1 só o Nuno Silva, o vencedor do ano passado e deste ano também. Dorsais tão baixos só podiam ser um bom pronúncio...ou então que seríamos os primeiros...a contar do fim....não andava longe da verdade...eheheheh =P
Já com os dorsais em nossa posse e uma bonita t-shirt técnica tivemos a sorte de ainda assistir ao briefing onde estavam presentes o Luís Mota (dispensa apresentações), o Nuno Silva (o puto que agora ganha tudo), o Armando Teixeira (outro que não precisa de apresentações) e a Ana Rocha ( é "só" a senhora que ganhou os 100 de São Mamede deste ano, tirando mais de 1h ao recorde anterior da prova.!). Estava muito pouca gente no briefing que até foi interessante e que serviu para termos uma melhor ideia daquilo que nos esperava no dia seguinte. Correcção! Nós nem sonhávamos com o tipo de subidas que íamos fazer! Sim, as piores de sempre!
Briefing |
Após o briefing fomos arrumar a tralha toda para o dia seguinte e dormir. Poucas horas mas as suficientes para descansar um pouco. Quando acordámos já era de dia, amanheceu cedo. Tomámos um bom pequeno-almoço, mas sem exageros. E ainda houve tempo para a Isa panicar mais um pouco e deixar o seu Vitor um pouco stressado.
Malta conhecida, Joaquim Adelino, Filipe Torres, Rui Soeiro.
Controlo Zero.
Ai sorrisos inocentes. |
Às 8h30 partimos para mais uma grande aventura a dois.
Primeiros passos de corrida em alcatrão, dentro da Lousã, bonita vila à beira da serra. Passagem pela Fábrica de Papel do Prado (fábrica de cartolinas da Lousã com mais de 300 anos!), o que foi bastante engraçado e interessante. Passar a correr em plena fábrica enquanto os trabalhadores seguiam com a sua rotina de trabalho foi muito giro.
Fábrica do Papel do Prado |
Depois tínhamos uns degraus para subir e embrenhávamo-nos então na natureza. Ah vida boa! Posso sofrer pra caramba nas próximas 12h mas vai ser um sofrimento bom, 1000x melhor do que estar em Lisboa nos nossos empregos enfadonhos.
Nesta altura íamos a adorar a prova, ainda era cedo, havia muitas sombras e até estava fresquinho. A juntar ao fresquinho do ar, havia o fresquinho dos ribeiros que íamos atravessando. Um espectáculo de verde e água maravilhoso. Estávamos a adorar e só queríamos que fosse sempre assim.
Depois começámos a subir mas nada de especial. Subidas boas mas aceitáveis, nada comparado com o que viria muito mais tarde...
Castelo da Lousã em plena serra. Lindissimo! |
Sequência de três fotos que o Vitor me tirou a passar por baixo de um obstáculo :) Oh pra ela toda divertida! |
Tinha que pôr esta foto Vitor! ;) Ah e tal foto artística, igreja enquadrada no meio dos ramos. Está bonita sim sr.! |
Mais ou menos nesta zona a subir distanciámo-nos dos últimos atletas e do atleta vassoura. Sim, ao menos esta prova tinha atleta-vassoura!
Mas estávamos a ser ultrapassados pelos primeiros atletas da prova mais curta. Entre eles André Rodrigues e nem mais nem menos que o Carlos Sá!!!
Como se o Carlos Sá precisasse de um empurrãozinho por ir em 5ºlugar, eu disse "Grande Carlos Sá, força!", ao que ele respondeu que a coisa não estava fácil... O que eu sei é que o Carlos Sá viria a ganhar a prova!!! Ia em 5º, recebeu as minhas palavras de apoio e ganhou aquilo...Epá, só não vê quem não quer! ;)
Chegámos ao primeiro abastecimento que nos pareceu bom, tomate com sal :), batatas fritas, gomas, bolo, amendoins e afins. Nesta altura ainda não se fazia sentir o calor em demasia, até aqui até havia bastantes sombras e sentia-se uma brisa fresca. Continuámos o nosso caminho bem dispostos.
Entretanto também o grande Armando Teixeira havia de passar por nós bastante descontraído e na conversa com outro atleta. Vinha para aí em 10º ou coisa do género. Ficou em 3ºlugar.
Atletas do outro mundo e que sabem gerir muito bem a coisa.
Nós entretanto fomos apanhados pelo vassoura e outro senhor que não estava oficialmente na prova mas conhecia a serra e a malta da organização e decidiu fazer alguns km's.
Só posso depreender que os outros atletas que vinham atrás de nós desistiram, ainda não eram 11 da manhã...ainda nem estava muito calor, mas esta prova viria a ser impiedosa para quase metade dos atletas.
Ai tão bem que se está aqui no meio do fresquinho. |
Olha a foto do Zé! :) |
Obrigada Zé :) |
Pouco após termos sido apanhados pelo vassoura (e não mais sermos largados por ele) começámos uma subida bem íngreme e dura. Aqui vários atletas (da mais curta, relembro que éramos os últimos dos 45) paravam a meio da subida para recuperar fôlego, alguns até se sentavam nuns troncos. E ainda era de manhã...e estávamos à sombra.... Sim, aquela era uma subida bem complicada mas a coisa fez-se. Depois disto tínhamos outro abastecimento mas desta vez só de líquidos. O Vitor aproveitou para encher a mochila, eu sentia a minha leve e pelo sim pelo não resolvi encher também. Íamos com cerca de 10 km e 2h de prova, quando vi a água que tinha até me assustei. Sem dar por isso bebi 2 L de água em apenas 2h....e ainda nem estávamos no pico do calor. Um pouco assustador se pensarmos bem na coisa.
A partir daqui era a descer até ao Candal. A vista era lindissima, a prova estava a ter as suas dificuldades mas eu acreditava piamente que íamos conseguir concluí-la. Estávamos a sentir-nos bem e ainda tinhamos muita margem até às 12h de prova.
A descer para o Candal. |
Bora lá até ao abastecimento da comidinha! |
Descida inclinada comó raio! |
O Candal! |
Quando avistámos o Candal a primeira coisa que o Vitor disse foi que parecia o Piodão. Casinhas de xisto no meio do verde. Lindíssimo! É por momentos como este que fazemos provas de trail. O trail mostra-nos o Portugal profundo, um Portugal mais bonito, mais puro.
Não interessa as dificuldades por que passamos, não interessa de conseguiremos concluir ou não a prova, interessa os momentos vividos, as experiências partilhadas. Eu digo sempre que o mais importante é a viagem e não a chegada. E em provas como esta temos mesmo que agarrar-nos à viagem porque pode não haver chegada...
No Candal. |
No Candal há novo abastecimento de sólidos. Mais uma vez tomate com sal, mel da Serra da Lousã, laranjas. Há uma fonte, aproveitamos para irmos lá refrescar-nos e seguir caminho. É também aqui que há a separação dos 45 para os 25. E lá seguimos nós para os 45, mal sabendo o que ainda nos espera.
Seguimos para os 45 com o vassoura e uma nova companheira, uma rapariga nova muito simpática que vai sempre a perguntar se a senhora (eu) ou o senhor (o Vitor) precisam de ajuda.
Só sei que mais à frente, algures entre o km 15 e o 18 o Vitor havia de precisar mesmo de ajuda. De repente está com caimbras. Ainda por cima não são nos gémeos, são acima do joelho, na zona da coxa. Está bastante aflito e só me diz "Estou a ficar preocupado." Nessa altura pensei que se calhar ele iria desistir, deveria desistir com ele? Ou deveria seguir caminho para tentar a nossa vingança da Lousã? Eventualmente após algum tempo parado e alguns passitos o Vitor sentiu-se capaz de continuar. Não sem antes colocar uma meia elástica na zona problemática o que o aliviou um pouco.
A coisa estava preta.
Passado talvez 1 km o Vitor estava novamente com caimbras. Estava a custar-me vê-lo assim mas não tinhamos como ajudá-lo. Com uns alongamentos a coisa lá passou outra vez. E lá seguimos novamente caminho. Zonas verdes bem bonitas mas a esta hora já estava um calor abrasador, a rondar os 40ºC. Bebemos muita água, nunca bebi tanta água numa prova.
Numa levada. |
Mini-cascata. |
Passámos nalgumas zonas bem bonitas, com muito verde e água. Começámos a subir, o Vitor teve mais caimbras, parávamos ele recuperava e seguíamos.
Não posso deixar de expressar aqui o grande, ENORME orgulho que tenho no meu Vitor. Muito bom atleta teria desistido perante tanta caimbra mas ele parava, recuperava e bola pra frente! É um ENORME atleta! É nestas coisas que se vê a vontade de ferro das pessoas. E o Vitor foi um resistente!
Já eu, nalgumas alturas, cheguei a pensar desistir. A dureza desta prova era uma coisa indescritível. E o calor só piorava tudo. Conversámos os dois durante a prova. Porque raio nos inscrevíamos em provas com a dureza duns Abutres ou dum LouzanTrail com 3500 de D+ em 45 km???? Temos que escolher melhor as provas, não é que não conseguíssemos, mas não temos treino e experiência suficientes para fazer este tipo de provas duma forma um pouco mais confortável, menos sofrível. Mesmo assim, e afirmo-o sem quaisquer dúvidas, se não tivéssemos sido barrados nós teríamos concluído esta prova. Mas já lá vamos.
Como eu referi, íamos a subir. Subidas bem complicadas. Mas a rapariga e o vassoura só nos falavam num tal de Trilho dos Cucos. Que esse era a pior de todas as subidas! A rapariga referia-se a ela como a pior subida de todos os tempos!!! Ora, isso não era nada um bom pronúncio!
Lá ao fundo o Trevim e o Trilho dos Cucos. Mas até lá ainda tinhamos uma longa subida, nova descida e depois as piores subidas de sempre! |
Uma subida horrível feita a passo de caracol. |
Quando chegámos à base da subida da foto acima tive que parar um momento para ganhar coragem.
Subi isto de forma tão lenta que vocês nem imaginam. Estava um calor abrasador e esta zona como podem ver estava totalmente exposta, nem uma sombra!
Dava 3 ou 4 passos e parava, dava mais 2 ou 3 passos e parava...
Eles próprios já não iam bem, notava-se pois iam muito mais calados.
Quando chegámos ao cimo, o vassoura (finalista dos 100 km de São Mamede) ficou por ali. Pronto, ok, tinha uma prova de BTT no dia seguinte e quis-se poupar. Mas porquê? Porque ele sabia que o pior ainda estava para vir!!!
Aqui havia um abastecimento mas era só de água.
E agora vou aproveitar para dizer que achei esta prova com poucos abastecimentos sólidos. Tinha vários com água mas sólidos só me lembro de 3 até ao Trevim. Tendo em conta que chegámos ao Trevim com mais de 10h...Para além disso, como já foi referido por mais malta dos blogues, os abastecimentos poderiam estar um pouco mais compostos. Estamos a falar de 45 km (53 ou 54 na realidade) com um D+ de 3500! Estamos a falar de temperaturas nos 40ºC!!! Não basta água!
Neste abastecimento a rapariga ofereceu-me um pouco de um croissant e o Vitor aproveitou para pedir aos bombeiros um spray para as caimbras. Só sei que pouco depois ele estava com novo ataque de caimbras....(estão a contá-las? É ou não é um herói o meu Vitor?).
A partir daqui seguiriamos com novo vassoura, irmão do outro. Foi quando começámos a olhar para o gráfico (embora já desconfiássemos) e a perceber que a coisa não estava bem. Nós já íamos com quase 30 km, e o vassoura dizia-nos que íamos com 20 e poucos....
Já não estava a achar piada, na minha cabeça ainda tinha esperança de acabar antes do tempo-limite mas se a prova tivesse vários km a mais a coisa já não era assim tão fácil.
Enfim, já se via.
Iniciávamos agora uma descida brutal até à Cerdeira, o 3º abastecimento de sólidos. Íamos com mil cuidados pois no briefing tinham avisado sobre esta descida. Era realmente bastante inclinada, o tipo de descida que nos faz ansiar por uma subida. Mas nunca, JAMAIS, uma subida como a que se seguiria!
Cerdeira, mais uma lindíssima aldeia de xisto. |
Aqui a rapariga queixou-se dos joelhos, percebemos que também já não ia bem.
O pessoal neste abastecimento era 5*. Para estarmos à vontade, tínhamos tempo....(pois...não era bem assim). Até ofereceram uma cerveja ao Vitor que aceitou. A partir daqui seria sempre a subir (cerca de 2 km). E com cerca de 800 m de D+.... 800 m em 2 km.....Isto vai correr bem....
Antes de iniciarmos a brutal subida houve ainda tempo para nos refrescarmos numa fonte. O calor era muito e seco, soube bem molharmos a cabeça e o corpo.
Antes de iniciarmos a brutal subida houve ainda tempo para nos refrescarmos numa fonte. O calor era muito e seco, soube bem molharmos a cabeça e o corpo.
Começámos então a nossa subida. Para nos motivar, eu dizia ao Vitor que depois do Trevim era muito mais fácil, que foi aquilo que os vassouras nos disseram. Portanto, só nos faltava vencer este último obstáculo e depois era mais fácil. A cada passo que dávamos eu pensava para mim "já faltou mais". E continuava sempre em frente. Íamos em subidas brutais no meio de muita vegetação e água também. Tivemos que escalar com cordas algumas rochas.
Cortei-me com um pico que se arrastou sobre a minha pele, começou a deitar sangue do meu dedo. Sorte das sortes, mesmo ali estavam uns bombeiros. Lá me puseram um penso rápido no dedo para estancar o sangue. Perder sangue (por pouco que seja) com aquele calor nunca poderia ser bom. Felizmente correu tudo bem.
Entretanto continuávamos sempre a subir e volta e meia eu perguntava se já estávamos na tal subida pior de todos os tempos, o tal de Trilho dos Cucos. E respondiam-me sempre "Não, ainda não é aqui..."
Ora...nós íamos a subir de forma brutal, aquilo já era terrível, já íamos a avançar a passo de caracol e ainda não estávamos na pior subida??????????
ARE YOU KIDDING ME???????
"E agora, já vamos na tal subida?"
"Ainda não."
"E agora?"
"Ainda não."
"E agora?"
"Ainda não, mas já está quase.", responde o vassoura.
"Já não é ali?", pergunta a rapariga.
"Não, mas está quase.", responde o vassoura.
Até que finalmente, após o que me pareceu uma eternidade, o vassoura diz que estamos a começar o Trilho dos Cucos. Explica-nos que primeiro o trilho até nem é muito inclinado mas que mais à frente vai inclinar e não é pouco...
O Vitor aproveita para descontrair um pouco a perna antes de começarmos a temível subida.
Eu só penso para mim própria "Esta é a última grande subida, depois é quase sempre a descer ou plano e logo à noite vamos para as festas da Lousã!".
Eu gostava de colocar por palavras a besta que era aquela subida mas não consigo. Inclinada é uma dessas palavras mas muito vaga quanto ao grau de inclinação nalguns troços. Pedras, rochas, e o sol a incidir nestas rochas. Sim, porque para ajudar à festa o Trilho dos Cucos era exposto ao sol. Deviam ser para aí umas 6 da tarde e parecia que ainda estava mais calor que às 2 da tarde!
Não havia um trilho propriamente definido, haviam simplesmente fitas a marcarem mais ou menos o caminho que deveríamos seguir...Espectáculo! Parávamos mais ou menos de 2 em 2 passos, o que resultou nos 2 km mais lentos que alguma vez fizemos na nossa vida! É pena que nesta altura os nossos Garmim já tivessem sem bateria mas ainda tinhamos as horas...E sabem quanto tempo demorámos naqueles 2 km? Estão sentados espero....2 HORAS!!! Sim, foram cerca de 2h para percorrer apenas 2 km. Batemos um recorde! Se calhar até nacional ;)
Agora imaginem o que não era esta subida...Agora imaginem que vão com constantes ameaças de caimbras...
Estávamos a demorar tanto que o rapaz que estava lá em cima à nossa espera acabou por descer até nós para nos dar apoio, dizia que estávamos mesmo a chegar ao topo (mentiroso!), que já só faltavam 100 m....Mas esses 100 m demoraram tanto!
Entretanto e porque tudo o que custa vale sempre a pena, íamos olhando em redor e o que víamos era deslumbrante. Apesar de estarmos para aí a uns 70 km da costa conseguíamos ver o mar. E em nosso redor montanhas. Lindo, lindo, lindo este nosso país.
Eu gostava de colocar por palavras a besta que era aquela subida mas não consigo. Inclinada é uma dessas palavras mas muito vaga quanto ao grau de inclinação nalguns troços. Pedras, rochas, e o sol a incidir nestas rochas. Sim, porque para ajudar à festa o Trilho dos Cucos era exposto ao sol. Deviam ser para aí umas 6 da tarde e parecia que ainda estava mais calor que às 2 da tarde!
Não havia um trilho propriamente definido, haviam simplesmente fitas a marcarem mais ou menos o caminho que deveríamos seguir...Espectáculo! Parávamos mais ou menos de 2 em 2 passos, o que resultou nos 2 km mais lentos que alguma vez fizemos na nossa vida! É pena que nesta altura os nossos Garmim já tivessem sem bateria mas ainda tinhamos as horas...E sabem quanto tempo demorámos naqueles 2 km? Estão sentados espero....2 HORAS!!! Sim, foram cerca de 2h para percorrer apenas 2 km. Batemos um recorde! Se calhar até nacional ;)
Agora imaginem o que não era esta subida...Agora imaginem que vão com constantes ameaças de caimbras...
Estávamos a demorar tanto que o rapaz que estava lá em cima à nossa espera acabou por descer até nós para nos dar apoio, dizia que estávamos mesmo a chegar ao topo (mentiroso!), que já só faltavam 100 m....Mas esses 100 m demoraram tanto!
Entretanto e porque tudo o que custa vale sempre a pena, íamos olhando em redor e o que víamos era deslumbrante. Apesar de estarmos para aí a uns 70 km da costa conseguíamos ver o mar. E em nosso redor montanhas. Lindo, lindo, lindo este nosso país.
Estava a custar como o raio mas nós persistíamos, estava quase a acabar aquele tormento, depois era mais fácil. O Garmin do Vitor tinha ido à vida por volta do km 32, por isso sabíamos que lá em cima, no Trevim estaríamos a apenas 11 km da meta, isto se a prova tivesse os anunciados 45 km...
E foi então que tocou o telemóvel do vassoura, ouvi-o a dizer onde estávamos e pouco depois desligou e comunicou-nos:
"Estão-me a dizer que se não chegarem ao sítio tal e tal até às 18h30 não poderão continuar."
Olhei para o relógio e vi que eram 18h15... e perguntei "Então e a quantos km's fica esse sítio?"
"Mais ou menos a 6..."
Ao que o Vitor respondeu meio resignado "Então acabou."
Epá, nem o Carlos Sá faria 6 km em 15 minutos. Nem os campeões da estrada fazem 6 km em 15 minutos!
Naquele momento tive um deja-vu. Estava a ser tão parecido com os Abutres. Uma prova brutal e mais uma vez barrados. A diferença é que nos Abutres esse barramento estava previsto no regulamento. Este não! Este foi inventado por eles à pressa quando perceberam que a prova ia ter mais de 50 km!
Agora eu penso, se nós chegámos com cerca de 10h15 de prova ao Trevim, teríamos cerca de 2 horas para fazer os 11 km em falta (se fossem os 45). Ora se a partir dali era mais ou menos plano e até com algumas descidas e se fossem realmente 11 km em falta era perfeitamente possível fazer 11 km em 2h. Na pior das hipóteses terminávamos um pouco após as 12h.
Agora se ainda faltavam quase 20 km a coisa já era diferente! Mas não somos nós que temos culpa da prova afinal ter uns 10 km a mais!!! Então porque somos nós que temos que pagar pelos erros da organização?
Na altura resignei-me porque ía muito cansada e até um pouco mal-disposta das misturas e do calor. Mas a minha vontade não era ficar ali no Trevim, precisamente depois de ter feito o mais difícil.
Algures no Trilho dos Cucos. O Vitor a recompor-se de mais um ataque de caimbras. |
Trevim, o ponto mais alto da Serra da Lousã. Uma vista de cortar a respiração. |
E a organização nem fez por menos. Assim que chegámos ao topo já lá estava um jipe dos bombeiros pronto a recolher-nos.
A nossa sensação era de alívio por termos conseguido superar aquela subida brutal e feito cerca de 34 km num tempo de 10h15m! Sim, é pra verem o que aquela coisa era dura! Por outro lado havia uma sensação de frustração por mais uma vez ficarmos barrados na Lousã. Nunca nenhuma serra foi tão implacável conosco. Superámos Arga, os 65 do Sicó e nada foi como a Serra da Lousã. Nada.
Chegados junto dos bombeiros ofereceram-nos água bem geladinha e deram-nos boleia até ao posto de abastecimento seguinte. De lá seguiríamos com um elemento da organização.
Mas antes aquele pessoal foi muito amável conosco dizendo para comermos mais qualquer coisa e irmos refrescar-nos numa fonte ali próxima. Eu estava a sentir-me algo mal-disposta e não quis comer nada. Comecei a dirigir-me para a tal fonte. Pelo caminho estava uma família num picnic à sombra. Começaram a meter-se comigo. "Quer uma água?", "Não, obrigada já aqui tenho uma.", "E uma fatia de bolo de chocolate?", sorri agradecida mas também recusei. Os meus olhos pousaram numa melancia e eles perceberam. "E uma fatia de melancia fresquinha." "Ah...se calhar até aceito...." Eheheheh =) E aquela fatia de melancia soube-me tão bem! Era uma família com crianças e tudo mas os adultos já estavam um pouco bebidos eheheh e um dos senhores perguntou-me o nome e já estava a querer meter-se comigo. Vi o Vitor a passar em direcção à fonte e respondi ao homem em tom de brincadeira " Olhe que o meu namorado vai ali a passar....", "Onde?" "É aquele ali de amarelo.", "Chame-o lá."
E entretanto a família toda ria-se do atrevimento do homem.
Chamei o Vitor, o homem quis saber o nome dele e perguntou-lhe se eu era namorada dele, o Vitor confirmou e o homem lá se convenceu. Eheheh =) Depois pediu desculpa, disse que tinham passado a tarde ali à fresca a beber cervejas...Pois nós percebemos.... =P
Falámos um pouco com esta simpática família, uma senhora perguntou-nos se tinhamos andado na serra, a trepar aquilo tudo a pé e nós confirmámos. A senhora ficou um pouco chocada com a nossa loucura. Acabei a melancia e despedimo-nos agradecendo.
Só por aquela melancia desculpei o barramento na prova ;)
Seguiriamos então num Mini com um rapaz novo da organização, explicou-nos que tinha havido um erro duma voluntária e como tal as pessoas estavam a percorrer cerca de 52 km! A estrada ziguezagueava pela serra abaixo e o gaijo tinha alguma confiança a conduzir, eu já ia mal disposta e aquilo não ajudou. Nem me atrevia a falar.
Tivemos que parar a certa altura pois o Vitor precisava de esticar a perna, mais uma caimbra...
Pouco à frente cruzámo-nos com um atleta que ia em prova, acenou para o carro parar e perguntou por onde seguia o caminho (sim, também achámos que nalguns sítios as fitas não estavam bem visíveis), depois começou a reclamar a dizer que no abastecimento anterior tinham dito que ele tinha que chegar até às x horas ao sítio y, que isso não estava no regulamento (pois....), depois apontou para o relógio e disse que já ia com 49 km. Perguntou quantos ainda faltavam para a meta. O nosso motorista respondeu uns 2 ou 3....e nem disse mais nada....
Chegámos então à Lousã. De mini. Agradecemos a boleia e seguimos para o hotel para tomar banho.
Depois jantámos bem e depois siga para a festa para afogar as mágoas.
É preciso fazer algumas considerações sobre esta prova.
Se por um lado sabemos admitir que devíamos ter treinado mais, que ainda nos falta experiência e que ainda somos verdinhos em muita coisa.
Por outro tenho que dizer que, mesmo assim, se a prova tivesse os 45 km anunciados nós teríamos conseguido terminar.
Acho inadmissível uma prova vir a ter entre a 7 a 9 km a mais. Uma coisa são mais 2 ou 3 km, outra bem diferente é ter tantos km's a mais. Na prática aqueles 7 ou 9 km a mais representam mais 1h ou 2 de prova. Num dia de calor como aquele? Desculpem amigos mas não acho normal.
Acho que os abastecimentos deveriam ter sido mais e um pouco mais compostos em pelo menos 1 deles.
E não deveríamos ter sido barrados se tal barreira horária não constava do regulamento. Penso mesmo que foi uma coisa à pressa quando perceberam que afinal a prova tinha mais de 50 km e para as pessoas terminarem ainda de dia tinham que colocar uma barreira horária. Mas e nós e outros atletas? Não pagámos pela totalidade da prova? Não pagámos tendo em conta um regulamento? Nós vimos bem o regulamento, sabíamos ao que íamos. Sim, seria brutal! Mas seriam 45 km e não 52 ou 54! Seriam 12h para 45 km! Só um tempo-limite, o final e nenhum intermédio! Isto era o que dizia o regulamento! Admitem-se falhas numa organização mas isto é demais. Não nos foi permitido terminar uma prova porque o regulamento foi todo alterado! Passou de 45 para 52 km e de uma barreira horária, passou para mais.
Alguns vão dizer "treinassem mais" mas eu respondo que treinei o suficiente para conseguir completar uma prova com 45 km num tempo-limite de 12h. Não sou obrigada a treinar para 7 km a mais, não sou obrigada a treinar para tempos-intermédios que não constam no regulamento da prova.
E acho sinceramente que o trail em Portugal está-se a tornar perigoso. Não estou a dizer que a prova tenha sido perigosa, não é isso. Estou é a dizer que acho que cada vez mais as organizações organizam provas extreme, parece que quantos mais km's melhor, quanto mais dureza melhor. E atenção, eu gostei da prova, eu também gosto de provas com grande grau de dureza. Mas acho que esse tipo de provas estão a proliferar e isso não é necessariamente bom.
Não me quero alongar de mais, só quero dizer mais uma coisa. Se quando um atleta comete um erro numa prova é desclassificado, porque é que não há qualquer tipo de penalização para uma organização de prova que falha em mais que um aspecto para com os seus atletas.
Posto isto, também sei reconhecer a simpatia de todos os voluntários nesta prova que com certeza deram o seu melhor, mas é preciso aprender com os erros, é preciso ser humilde e pedir desculpa e é preciso corrigir esses erros para que para a próxima vez quase 50% dos atletas que pagaram uma inscrição para fazer 100% da prova não sejam obrigados a ficar pelo caminho.
Festas de São João na Lousã |
No dia seguinte foi aproveitar bem o resto do fim-de-semana, que a vida não são é só corridas.
Piscina natural da Nossa Sra. da Piedade. Em plena serra da Lousã. |
Depois dum almoço cujas doses davam para aí para duas ou três pessoas seguimos rumo ao Castelo de Penela.
Esta foto tem uma história que remonta aos meus tempos de infância. Era eu pequenina e fui passear com o meu pai, visitámos o castelo de Penela e eu resolvi provar uma azeitona da oliveira... =) |
Só nós para depois duma prova irmos subir ao Castelo da Lousã num dia de 40ºC. Mas conquistámos o castelo :) |
Até pró ano Serra da Lousã! Não esperas pela demora! |