Calor, novamente calor. Pela segunda vez alinhamos à partida dos 42 km + uns pozinhos e pela segunda vez a temperatura prevista é alta. Demasiado alta para quem vai andar pelos montes e planícies alentejanas a correr na hora de maior calor. Mas pela segunda vez cortamos a meta.
No próximo ano o sonho. O sonho dos 100. Já estamos na contagem decrescente. Já faltam menos de 365 dias para alinharmos na partida de São Mamede, mas, e se tudo correr bem, no próximo ano vamos à prova rainha, aos 100 km de São Mamede. O sonho.
Tenho um fascínio por esta prova. Não me perguntem como nem porquê mas tenho. Penso que é uma mistura de vários factores. Desde que descobri os trilhos e descobri que existia em Portugal uma prova com 100 km que pensei "Um dia hei-de fazê-la!". Entretanto há cada vez mais provas com 100 km ou mais, mas esta será sempre, pelo menos para mim, "A" prova de 100 km.
Há um ano atrás fomos até Portalegre cheios de receios, era a primeira vez que íamos fazer uma distância de 42 km em trilhos. Estava um dia muito quente mas conseguimos superar todas as dificuldades e divertimo-nos muito. Após 8h04m cortámos a meta com 44,5 km percorridos.
Para este ano e já com muitos mais km's em trilhos tínhamos como objectivo melhorar o tempo do ano passado e terminar abaixo das 8h de prova.
A viagem de ida foi tranquilda, conosco foi o amigo Pedro Burguette. Chegados a Portalegre já se viam estrelas no céu. O céu do Alentejo. Levantámos os dorsais, conversámos com alguma malta conhecida que ia partir à meia noite para os 100. E depois fomos preparar as nossas coisas e dormir.
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Na fila para levantar os dorsais. Foto do André Noronha |
5h30 de sábado, acordo e a primeira coisa que penso é "neste momento há centenas de pessoas que estão a correr há 5h30 no meio da Serra de São Mamede". É impressionante!
Vamos buscar o amigo Pedro e seguimos para o Estádio onde estacionamos o carro e apanhamos os autocarros da organização para Marvão. Está um vento forte e frio mas sabemos que daí a umas horas estará muito calor.
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A caminho de Marvão. |
Chegados a Marvão começamos a ver os primeiros atletas dos 100, chegam aqui já com cerca de 60 km nas pernas!
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Na fila para beberem cafés. Oferecido pela organização :) |
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Com o amigo Burguette e o meu Vitor. |
Às 9h chega a nossa vez. É a nossa vez de sofrer, ou antes, de viver!
Já conhecemos a prova, desta vez será diferente.
Partimos os três mas o amigo Pedro, que só veio aos 42 km porque estava lesionado e umas semanas antes teve que desistir dos 100 km para os quais estava inscrito, está a sentir-se bem e cedo segue.
Ficamos os dois.
A prova começa a descer. Muita pedra mas já descemos melhor do que há um ano atrás. Claro que tudo o que desce....E lá começamos a subir. Os meus gémeos até chiam, parecem calhaus! Ainda é muito cedo para começar a subir, queixam-se eles mas a coisa lá lhes passa uns km's à frente.
Acabou a descida, vamos a correr, passamos junto a um ribeiro, não me lembro desta parte, penso que houve aqui 1 km ou 2 que estão ligeiramente diferentes do ano passado. Mas não tarda muito a entrarmos em zona familiar. Sinto que já conheço isto melhor do que as palmas das minhas mãos.
Segue-se mais uma subida. Tinha outra ideia desta subida mas à medida que vamos avançando vou lembrando-me de tudo, até me lembro de ir ali a comer frutos secos :)
Falamos um pouco com outra atleta que já conhecemos doutras provas. Também ela esteve nos Abutres...diz que não se dá bem com o calor. Digo que também não gosto mas que depois do que sofremos com o frio nos Abutres, o calor até me parece aceitável.
Acaba a subida mas com a minha memória de elefante vou descrevendo ao Vitor o que se segue. "Agora é plano mas não durante muito tempo, voltamos a subir e será mais inclinado." E assim foi, após essa subida, era plano, depois a descer até ao 1º abastecimento. Lembrava-me de tudo!
Um atleta dos 100 dá um grito de alegria na descida, também o ouvimos a falar sozinho...comentamos que já não deve ir muito bem da cabeça o que é perfeitamente compreensível, nesta altura deveria ir com mais de 70 km!
Pouco depois vemos um atleta deitado no chão, coberto com a manta térmica. Perguntámos aos dois atletas que se encontravam com ele, se estava tudo bem, se precisavam de alguma coisa. Não era necessário, a ambulância já vinha a caminho... O calor começava a fazer estragos e a meter respeito. Ainda eram 11h da manhã...
Logo a seguir vinha a ambulância. Que tudo tenha acabado em bem é o que se quer.
Chegados ao abastecimento encontrámos o Nuno Sabino da Açoreana, colega do Pedro. Comentámos que ele ia bem, e de facto estava com muito bom ar. O Pedro já tinha seguido à algum tempo, segundo o Nuno Sabino ia cheio da pica.
No abastecimento já sabem a história, tomate com sal :) e afins. Laranjas muito boas.
Siga em frente. A fase seguinte não me lembrava bem mas fui recordando tudo conforme íamos passando pelos sítios. Planície alentejana, bois, ovelhas, cabras. Sol. Calor. Muita água, isotónico, frutos secos, marmeladas.
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Lá estão os nossos amigos. Muuuhhhhh! |
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Muita flor, muita cor havia nesta serra. |
Nova subida, não custou muito. Corrida. Avistar Castelo de Vide. "Já falta pouco para o 2º abastecimento, agora temos zona plana boa para correr, depois subida algo técnica no meio das árvores e depois abastecimento". E assim foi. Agora aqui houve uma diferença em relação ao ano passado. Chegados ao abastecimento subíamos uns degraus rumo a uma capela com vista para Castelo de Vide e depois descíamos pelo meio das rochas com ajuda dumas cordas. Este ano não havia nada disso o que foi pena. O abastecimento foi-nos entregue de mão beijada. Novamente encontramos o Nuno Sabino. "Vais com boa cara" digo eu. Levanta os olhos para mim e diz-me que não vai bem e assim que vemos os olhos dele percebemos que realmente já não vai bem. É incrível a diferença para uns km's atrás. Mas tentamos animá-lo, vai a bom ritmo, ainda tem muito tempo, há quem vá bem pior que ele.
Queixa-se da falta de alimentos mais consistentes e percebo o que diz. Para quem vai com quase 100 km em cima faz sentido que os abastecimentos fossem um pouco mais consistentes. A pizza só chegaria daí a cerca de 13 km...é muito tempo e serão 13 km à hora de maior calor...
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A avistar Castelo de Vide. 2º abastecimento quase quase a chegar.
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Também nós vamos com bom ritmo, melhor que o ano passado. Sabemos que em principio conseguimos baixar das 8h mesmo que tenha os 44 km, chegamos mesmo a pensar que talvez dê para baixar das 7h30 mas o calor começava a apertar...
Saímos do abastecimento, vamos muito bem, o Vitor vai impressionado com as vistas lá de cima. Vamos a correr e a planície alentejana estende-se lá em baixo. Ao longe avistam-se outras serras. Outro atleta também pára para tirar fotos e comenta conosco "Só por isto já vale a pena".
Descemos, sei que agora teremos muitos km's planos em terreno aberto. O ar está quente e muito seco. Mas conseguimos correr bem aqui. É meio-dia e tal mas ainda vamos bem apesar do calor.
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Mais bois. |
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Burrinhos |
Mas os km's vão passando e tantos km's a correr em campo aberto aquela hora vão fazendo mossa.
Entramos numa zona com algumas sombras, não me recordava bem mas ainda faltava bastante para o abastecimento. Por esta altura fazemos 30 km em 5h. Um ritmo muito bom para o calor que estava. Mas a coisa começava a custar. Agora íamos a subir, o abastecimento nunca mais aparecia, depois descíamos, já ia a maldizer o raio do abastecimento que nunca mais aparecia. Precisava de piza!!!
E então ei-lo! O 3º abastecimento (demasiado afastado do 2º!) no Convento da Provença.
Foi agarrar na primeira fatia de piza que me apareceu à frente :)
Havia muita gente sentada, muita gente a descansar à sombra. Uma voluntária perguntou-se se eu queria sentar-me, respondi que se me sentasse já não me levantava mais. Mas passados uns segundos reconsiderei e aceitei sentar-me. Estava muito calor e sentia-me um pouco tonta. Estava a precisar de recuperar energias com comida e descanso. E assim sentada fui comendo fatias de piza (3), batatas fritas, laranjas e tomate com sal. A tal senhora que me ofereceu a cadeira, também me ajudou a encher a garrafa de água. Pessoas fantásticas prontas a ajudar os atletas!
Entretanto o Vitor andava por ali a comer e até foi lavar as mãos e a cara à casa de banho que havia no convento. Olhei para a piscina que havia ali...Mais tarde viríamos a saber que o Pedro tinha perguntado se podia ir para a piscina e que lhe tinham dito que sim, ele tirou a roupa, ficou em fato de banho e meteu-se dentro da piscina....ahahahah :) Ganda Pedro! Diz que ainda teve lá uns 15 minutos.
Como vos disse no inicio o Pedro tinha-se preparado afincadamente para os 100 km de São Mamede e nós testemunhámos alguns desses treinos. Devido a lesão teve que desistir da ideia dos 100, mas para minimizar o desgosto quis ir aos 42 km. Mas claro que o pé deu sinal e se nos km's iniciais ele ia a sentir-se muito bem, mais para o fim sofreu imenso, daí estar desesperado por meter o pé dentro de água.
Mas prosseguindo. Após termos abastecido e descansado no abastecimento senti-me melhor e lá seguimos caminho. Já só faltava um abastecimento e depois era a escadaria da Penha e depois sempre plano até à meta.
Sempre que apanhávamos zonas planas tentávamos correr mas já custava, estava imenso calor. Por esta altura já avistávamos a cruz do cimo do monte da Penha, o que só serviu para nos assustar mais...Ainda tínhamos que subir aquilo tudo....
Curiosamente desta vez o Vitor ia pior que eu. Eu é que ia quase sempre à frente dele, ele nem dizia nada. Já sei que quando ele vai assim é porque não vai mesmo nada bem, por isso fui animando-o, já não faltava muito, depois teríamos o João e a Mafalda, com sorte podia ser que eles tivessem croquetes com eles :)
E assim começámos a última subida. Não era das piores. Era uma subida mais por etapas e não era particularmente inclinada. Fez-se.
O problema é que depois disto faltava a descida até ao abastecimento. É uma descida que se vai tornando progressivamente mais inclinada, os travões até chiam...
Mais uma vez notava como o Vitor não ia bem, ia atrás de mim...numa descida. Quando avistei a capela da Nossa Senhora da Penha gritei para ele que já se via o abastecimento. Umas senhoras estavam lá a tirar fotos e uma comentou "Assim é que é! O "marido" espera pela mulher." ao que o Vitor respondeu "Ou neste caso, a mulher espera pelo homem..."
Neste último abastecimento fomos informados que faltavam cerca de 5,5 km para a meta. Olhámos para o relógio e percebemos que, mais uma vez, a prova teria mais que os 42 km. Previsível.
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Portalegre é já aqui! Mas ainda faltam 5,5km para a meta...
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Última etapa, escadaria da Penha. 270 degraus. A descer. Não nos custou tanto como o ano passado. Depois das escadas era quase sempre plano mas já nem em plano conseguíamos ir sempre a correr. O Vitor teve uma ameaça da caimbra e tivemos que parar um pouco.
Lá seguimos entre caminhada e passitos de corrida. 1 km e pouco antes da meta alguns voluntários tinham garrafões de água e perguntavam aos atletas se queriam refrescar-se. Eu não quis, mas o Vitor aproveitou para lhe despejarem água em cima. Que bela banhoca! :)
E assim estávamos a 1 km da meta.
E a umas centenas de metros estava o João que ficou em polvorosa quando nos viu a chegar, que íamos muito bem, que íamos melhorar o nosso tempo do ano passado. Acompanhou-nos na última subidita. E depois estava a Mafalda. É muito bom ver caras conhecidas depois de 42 km e 7h e tal no meio dos montes ao calor, principalmente dois amigos como o João e a Mafalda. Mas nem tínhamos energia para agradecer o suficiente.
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A entrar no estádio. O João vai a correr ao nosso lado. |
Seguimos para a pista. Faltavam para aí uns 300 m. Eu pensei "Já está! Conseguimos!", o Vitor disse "Isto era dispensável....ver a meta e ainda termos que dar uma volta à pista..." Como o meu homem ia!!!! Lá lhe dei força, somos bons, conseguimos!!!
3 crianças brincavam junto a uma baliza, quando nos viram a passar gritaram força e uma pequenina gritou "Boa!", com isto até o Vitor se derreteu e animou para os 100 m que faltavam. Seriam 43 km e 900 m, mais uma ultra não oficial. A nossa 8ª prova com 42 km ou mais! :)
Lembrei-me da minha chegada do ano passado, a dançar. E achei que seria bom terminar novamente a dançar e lá dancei um pouco enquanto ria. Veremos se quando forem os 100 km também consigo terminar a dançar.... ;)
A Mafalda, o João e o Pedro esperavam por nós, o Pedro juntou-se a nós na festa da meta.
FEITA!
Em 7h46m, menos 18 minutos que no ano passado!
Venham de lá esses croquetes! :)
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A chegarmos à meta com o Pedro a juntar-se a nós do lado direito. |
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E JÁ ESTÁ!!! |
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Com o amigo Pedro Burguette. |
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Com o meu companheiro. |
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Com o amigo João. |
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O descanso da guerreira. |
Ainda encontrámos algum pessoal conhecido, o Marcelo, o Nuno Sabino e o amigo Joaquim Adelino que contará a sua história no seu blogue.
Depois foi hora do banho e depois almoço/jantar. Sim, foi um grande lombo de porco com molho de ervas e alho a acompanhar com batata frita e migas de feijão e ervas. Sim, foi tudo acompanhado por azeitonas e queijo :) E sim, depois ainda comi uma serradura! Não....não tinha fome nenhuma... ;)
E finalmente o merecido descanso.
No dia seguinte houve passeio e houve mais aventura. Este fim-de-semana ficou marcado por duas grandes aventuras. Uma no sábado em Portalegre, a outra no domingo em Chão de Lopes...Só nos resta agradecer à população de Chão de Lopes por toda a ajuda prestada. Gente 5*!
Foi mais um grande fim-de-semana na companhia do meu Vitor!
Obrigada por tudo! E sim, não te escapas de correr os 100 km comigo no próximo ano! =P
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Com as nossas camisolas da prova. Bem bonitas! |
Mais uma vez obrigada ao João e a Mafalda. O ano passado o João já lá tinha ido com a Marta para uma grande surpresa a estes dois atletas. Este ano sabíamos que ele estaria lá com a Mafalda à espera de ver chegar vários amigos, nós entre eles e por isso novamente só temos a agradecer todo o apoio e fotografias :)
Obrigada ao amigo Pedro pelos bons momentos e por nos fazer rir com as suas aventuras e desventuras.
Muito obrigada a toda a organização do UTSM, tudo malta simpática e pronta a ajudar. Uma prova, mais uma vez, bem organizada e a merecer que voltemos....para os 100 :)
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A meta dos 100 km que quero cortar daqui a 1 ano. |